sábado, novembro 11, 2017

REFLEXÃO PARA O XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM - MATEUS 25,1-13 (ANO A)



Com a proximidade do final do ano litúrgico, o tema da vigilância passa a ocupar o centro da liturgia. Por isso, por três domingos consecutivos, os últimos do ano litúrgico corrente, o Evangelho é retirado do último dos cinco grandes discursos de Jesus no Evangelho segundo Mateus, o chamado “Discurso Escatológico”. É importante, de antemão, ressaltar que a ênfase dada à vigilância não visa provocar medo, e sim reavivar e aumentar nos cristãos a esperança na realização plena do Reino de Deus ou dos céus, como prefere Mateus.

No discurso escatológico prevalece o gênero literário apocalíptico, o que o torna tão enigmático e provocativo. Por isso, é necessário compreendê-lo bem, para que sua mensagem de encorajamento e esperança não seja transformada em medo e terror. Esse discurso é composto pelos capítulos 24 e 25 de Mateus, mas a liturgia dominical faz uso apenas do capítulo 25, composto de três parábolas, das quais a primeira compreende o Evangelho de hoje: a parábola das dez virgens (25,1-13). As outras duas serão lidas nos dois próximos domingos.

Quase cinquenta anos separam a ressurreição de Jesus da redação do Evangelho segundo Mateus. Muitas coisas aconteceram nesse intervalo de tempo, como um esfriamento ou relaxamento na vida de fé dos cristãos. A comunidade mateana vivia uma situação de crise, tanto por causas externas quanto internas. As causas externas eram as perseguições da parte do judaísmo ortodoxo e do império romano; as causas internas eram o conflito entre os cristãos de origem judaica e aqueles de origem pagã e, principalmente, a queda do fervor nos cristãos que começavam a desanimar. O Evangelho segundo Mateus é, portanto, um conjunto de respostas a tudo isso.

No caso específico da parábola que hoje lemos na liturgia, essa é a resposta à crise de fé e de  identidade pela qual passava a comunidade, devido a diminuição no fervor de seus membros. Ora, tendo se passado já quase cinquenta anos da ressurreição, os cristãos não viam suas vidas melhorarem, pelo contrário, até pioravam devido às perseguições. O resultado disso era uma fé cada vez menos viva e sem esperança. Era preciso, portanto, reanimar, encorajar e despertar na comunidade a esperança e o ardor da fé inicial. Ao desânimo, o evangelista pede uma atitude de vigilância. A comunidade deve estar sempre pronta para encontrar-se com o Senhor a qualquer momento. Na verdade, segundo o evangelista, o melhor seria viver na certeza de que o Senhor nunca se ausentou, mas está sempre presente na comunidade. Isso exige solicitude, e é exatamente o que a parábola das dez virgens quer suscitar.

Por se tratar de uma parábola, não comentaremos versículo por versículo, mas apenas a sua mensagem central, embora seja necessário, mesmo assim, observar cuidadosamente algumas expressões particulares. Assim diz o texto em seu início: “O Reino dos Céus é como a história das dez virgens que pegaram suas lâmpadas e foram ao encontro do noivo” (v. 1). Essa é a última parábola do Evangelho em que o Reino dos Céus é comparado a uma realidade concreta conhecida do auditório de Jesus e da comunidade de Mateus. É uma parábola de alcance e interesse universais. A expressão “dez virgens” (em grego:  de,ka parqe,noij – déka parténois) evoca o universalismo da comunidade. Dez é um número que expressa totalidade, por ser a soma de dois números perfeitos: 7+3=10. Com esse pequeno detalhe, Jesus dá um salto de qualidade considerável em sua mensagem: o Reino dos Céus já extrapolou os limites de Israel, o qual seria representado pelo número doze.

A imagem do casamento não era novidade na linguagem de Jesus e nem no judaísmo. Desde o profeta Oséias, a relação entre Deus e seu povo é apresentada em linguagem matrimonial. O que Jesus faz é ampliar o alcance da imagem, cuja noiva-esposa deixa de ser Israel e passa a ser a humanidade inteiro. Por sinal, a parábola não fala da noiva; por ela, subentende-se toda a humanidade, uma vez que é o próprio Jesus o noivo-esposo.

Sem saber como se desenrolava uma festa de casamento no tempo de Jesus, corremos o risco de não compreender a parábola, imaginando que as dez virgens estavam disputando um único noivo. Por isso, tentemos compreender. Após um ano da primeira fase do casamento, a fase da promessa, o casamento era festejado e consumado. No dia marcado, o noivo ia com seus amigos até a casa da noiva. Em sua casa, a noiva reunia suas melhores amigas para esperar o noivo. Após a chegada do noivo, a noiva se despedia dos seus pais, deixava sua casa e ia para a casa do noivo, ao seu lado, onde acontecia a festa. Formava-se assim, o cortejo nupcial da casa da noiva para a casa do noivo. Isso deveria acontecer no início da noite, de modo que o cortejo era iluminado pelas lâmpadas que as moças amigas da noiva levavam.

Seria grande imprudência as moças deixarem faltar óleo para suas lâmpadas no cortejo, uma vez que uma festa de casamento começava a ser preparada com muita antecedência, cerca de um ano. Daí, Jesus faz a sua denúncia e alerta com a parábola, a partir dos distintos comportamentos das virgens: cinco eram imprevidentes e outras cinco eram previdentes. Essa distinção é típica da literatura sapiencial, bastante difusa no tempo de Jesus. O texto litúrgico não emprega os termos mais adequados para essa distinção: sensatas (em grego: mwrai. – morai) e insensatas (em grego: fro,nimoi– fronímoi). A insensatez das primeiras consiste em ter deixado o óleo acabar. A sensatez das segundas consiste em ter óleo suficiente.

A parábola se torna até surpreendente e difícil de ser interpretada, considerando a natureza dos personagens envolvidos. Na verdade, todos os personagens são passíveis de observações negativas, inclusive o noivo e as virgens ditas prudentes: o atraso do noivo poderia pôr em cheque a sua reputação perante a noiva e sua família (v. 5); a falta de solidariedade das virgens prudentes ao não compartilharem o óleo com as imprudentes (v. 9); a falta de perseverança das dez virgens, prudentes e imprudentes, pois todas elas acabaram cochilando (v. 5). Como se vê, não há méritos morais em nenhum dos personagens. Poderíamos até dizer que todos se nivelam por baixo.

Como o objetivo da parábola não é apresentar um padrão de comportamento moral adequado, identificamos pois o centro da sua mensagem: ter ou não ter óleo suficiente. A denúncia e alerta de Jesus consiste exatamente nesse detalhe. Muito tem se discutido nos estudos bíblicos a respeito do significado do óleo (em grego: e;laion – elaion) nessa parábola. É inegável que se trata de algo essencial, pois quem não tem ele fica fora do banquete e, portanto, do Reino (v. 11), e ao mesmo tempo intransferível, ou seja, pessoal (v. 9). Alguns já definiram o óleo como as boas obras, os carismas pessoais, os dons do Espírito Santo, interpretações que não são totalmente satisfatórias.

Acreditamos que a imagem do óleo se refere às bem-aventuranças, inclusive como chave de leitura de todo o Evangelho segundo Mateus, compreendendo-as como a responsabilidade pessoal de cada um na construção do Reino. Essa construção do Reino é um compromisso comunitário, por isso ninguém pode isentar-se da sua responsabilidade pessoal. Essa responsabilidade consiste em viver com seriedade o projeto de Jesus expresso nas bem-aventuranças. Viver as bem-aventuranças é, acima de tudo, fazer a vontade de Deus. A conclusão da parábola nos leva exatamente para o discurso da montanha, pouco após Jesus ter proclamado as bem-aventuranças: “Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor!’ que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do Pai que está nos céus” (Mt 7,21). E a vontade do Pai não se faz em um momento apenas, mas em toda a vida. 

As cinco moças imprudentes que não alimentaram suficientemente suas lâmpadas com óleo representam aquelas pessoas que ao longo da vida não vivem as bem-aventuranças, imaginando que basta, de última hora, dizer “Senhor, Senhor!” para entrar no Reino. Tudo indica que na comunidade de Mateus havia muitas pessoas assim. Por isso, ele relembrou com muito cuidado as palavras de Jesus que pediam paciência, vigilância e perseverança: “Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia nem a hora” (v. 13). Essa vigilância não significa longas vigílias de oração, mas uma vida cristã sadia, responsável e comprometida com o Reino. Enfim, é a vida segundo as bem-aventuranças que caracteriza a pessoa vigilante e prudente.


Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues, Mossoró-RN, 11/11/2017.





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