Com a proximidade do final do
ano litúrgico, o tema da vigilância passa a ocupar o centro da liturgia. Por
isso, por três domingos consecutivos, os últimos do ano litúrgico corrente,
o Evangelho é retirado do último dos cinco grandes discursos de Jesus no
Evangelho segundo Mateus, o chamado “Discurso Escatológico”. É importante, de
antemão, ressaltar que a ênfase dada à vigilância não visa provocar medo, e sim
reavivar e aumentar nos cristãos a esperança na realização plena do Reino de
Deus ou dos céus, como prefere Mateus.
No discurso escatológico
prevalece o gênero literário apocalíptico, o que o torna tão enigmático e
provocativo. Por isso, é necessário compreendê-lo bem, para que sua mensagem de
encorajamento e esperança não seja transformada em medo e terror. Esse discurso
é composto pelos capítulos 24 e 25 de Mateus, mas a liturgia dominical faz uso
apenas do capítulo 25, composto de três parábolas, das quais a primeira compreende
o Evangelho de hoje: a parábola das dez virgens (25,1-13). As outras duas serão
lidas nos dois próximos domingos.
Quase cinquenta anos separam a
ressurreição de Jesus da redação do Evangelho segundo Mateus. Muitas coisas
aconteceram nesse intervalo de tempo, como um esfriamento ou relaxamento na
vida de fé dos cristãos. A comunidade mateana vivia uma situação de crise,
tanto por causas externas quanto internas. As causas externas eram as
perseguições da parte do judaísmo ortodoxo e do império romano; as causas
internas eram o conflito entre os cristãos de origem judaica e aqueles de
origem pagã e, principalmente, a queda do fervor nos cristãos que começavam a
desanimar. O Evangelho segundo Mateus é, portanto, um conjunto de respostas a
tudo isso.
No caso específico da parábola
que hoje lemos na liturgia, essa é a resposta à crise de fé e de identidade pela
qual passava a comunidade, devido a diminuição no fervor de seus membros. Ora, tendo se passado já quase cinquenta anos da ressurreição, os cristãos não viam suas vidas melhorarem,
pelo contrário, até pioravam devido às perseguições. O resultado disso era uma fé
cada vez menos viva e sem esperança. Era preciso, portanto, reanimar, encorajar
e despertar na comunidade a esperança e o ardor da fé inicial. Ao desânimo, o
evangelista pede uma atitude de vigilância. A comunidade deve estar sempre
pronta para encontrar-se com o Senhor a qualquer momento. Na verdade, segundo o
evangelista, o melhor seria viver na certeza de que o Senhor nunca se ausentou,
mas está sempre presente na comunidade. Isso exige solicitude, e é exatamente o que a parábola das dez virgens quer suscitar.
Por se tratar de uma parábola,
não comentaremos versículo por versículo, mas apenas a sua mensagem central,
embora seja necessário, mesmo assim, observar cuidadosamente algumas expressões
particulares. Assim diz o texto em seu início: “O Reino dos Céus é como a história das
dez virgens que pegaram suas lâmpadas e foram ao encontro do noivo” (v. 1).
Essa é a última parábola do Evangelho em que o Reino dos Céus é comparado a uma
realidade concreta conhecida do auditório de Jesus e da comunidade de Mateus. É
uma parábola de alcance e interesse universais. A expressão “dez virgens” (em grego: de,ka parqe,noij – déka parténois) evoca o universalismo da comunidade. Dez é um número que
expressa totalidade, por ser a soma de dois números perfeitos: 7+3=10. Com esse
pequeno detalhe, Jesus dá um salto de qualidade considerável em sua mensagem: o Reino dos Céus
já extrapolou os limites de Israel, o qual seria representado pelo número doze.
A imagem do casamento não era novidade na linguagem de Jesus e
nem no judaísmo. Desde o profeta Oséias, a relação entre Deus e seu povo é
apresentada em linguagem matrimonial. O que Jesus faz é ampliar o alcance da
imagem, cuja noiva-esposa deixa de ser Israel e passa a ser a humanidade inteiro. Por
sinal, a parábola não fala da noiva; por ela, subentende-se toda a humanidade,
uma vez que é o próprio Jesus o noivo-esposo.
Sem saber como se desenrolava uma festa de casamento no tempo
de Jesus, corremos o risco de não compreender a parábola, imaginando que as dez
virgens estavam disputando um único noivo. Por isso, tentemos compreender. Após
um ano da primeira fase do casamento, a fase da promessa, o casamento era
festejado e consumado. No dia marcado, o noivo ia com seus amigos até a casa da
noiva. Em sua casa, a noiva reunia suas melhores amigas para esperar o noivo. Após
a chegada do noivo, a noiva se despedia dos seus pais, deixava sua casa e ia
para a casa do noivo, ao seu lado, onde acontecia a festa. Formava-se assim, o
cortejo nupcial da casa da noiva para a casa do noivo. Isso deveria acontecer
no início da noite, de modo que o cortejo era iluminado pelas lâmpadas
que as moças amigas da noiva levavam.
Seria grande imprudência as moças deixarem faltar óleo para
suas lâmpadas no cortejo, uma vez que uma festa de casamento começava a ser preparada
com muita antecedência, cerca de um ano. Daí, Jesus faz a sua denúncia e alerta
com a parábola, a partir dos distintos comportamentos das virgens: cinco eram
imprevidentes e outras cinco eram previdentes. Essa distinção é típica da
literatura sapiencial, bastante difusa no tempo de Jesus. O texto litúrgico não
emprega os termos mais adequados para essa distinção: sensatas (em grego: mwrai. – morai) e insensatas (em grego: fro,nimoi– fronímoi). A insensatez das
primeiras consiste em ter deixado o óleo acabar. A sensatez das segundas
consiste em ter óleo suficiente.
A parábola se torna até surpreendente e difícil de ser
interpretada, considerando a natureza dos personagens envolvidos. Na verdade,
todos os personagens são passíveis de observações negativas, inclusive o noivo
e as virgens ditas prudentes: o atraso do noivo poderia pôr em cheque a sua
reputação perante a noiva e sua família (v. 5); a falta de solidariedade das
virgens prudentes ao não compartilharem o óleo com as imprudentes (v. 9); a
falta de perseverança das dez virgens, prudentes e imprudentes, pois todas elas
acabaram cochilando (v. 5). Como se vê, não há méritos morais em nenhum dos
personagens. Poderíamos até dizer que todos se nivelam por baixo.
Como o objetivo da parábola não é apresentar um padrão de comportamento
moral adequado, identificamos pois o centro da sua mensagem: ter ou não ter
óleo suficiente. A denúncia e alerta de Jesus consiste exatamente nesse
detalhe. Muito tem se discutido nos estudos bíblicos a respeito do significado
do óleo (em grego: e;laion – elaion) nessa parábola. É
inegável que se trata de algo essencial, pois quem não tem ele fica fora do
banquete e, portanto, do Reino (v. 11), e ao mesmo tempo intransferível, ou
seja, pessoal (v. 9). Alguns já definiram o óleo como as boas obras, os
carismas pessoais, os dons do Espírito Santo, interpretações que não são totalmente
satisfatórias.
Acreditamos que a imagem do óleo se refere às bem-aventuranças,
inclusive como chave de leitura de todo o Evangelho segundo Mateus,
compreendendo-as como a responsabilidade pessoal de cada um na construção do
Reino. Essa construção do Reino é um compromisso comunitário, por isso ninguém
pode isentar-se da sua responsabilidade pessoal. Essa responsabilidade
consiste em viver com seriedade o projeto de Jesus expresso nas bem-aventuranças.
Viver as bem-aventuranças é, acima de tudo, fazer a vontade de Deus. A conclusão
da parábola nos leva exatamente para o discurso da montanha, pouco após Jesus
ter proclamado as bem-aventuranças: “Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor!’
que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do Pai que está nos
céus” (Mt 7,21). E a vontade do Pai não se faz em um momento apenas, mas em toda a vida.
As cinco moças imprudentes que não alimentaram suficientemente
suas lâmpadas com óleo representam aquelas pessoas que ao longo da vida não
vivem as bem-aventuranças, imaginando que basta, de última hora, dizer “Senhor,
Senhor!” para entrar no Reino. Tudo indica que na comunidade de Mateus
havia muitas pessoas assim. Por isso, ele relembrou com muito cuidado as palavras
de Jesus que pediam paciência, vigilância e perseverança: “Portanto, ficai
vigiando, pois não sabeis qual será o dia nem a hora” (v. 13). Essa vigilância
não significa longas vigílias de oração, mas uma vida cristã sadia, responsável
e comprometida com o Reino. Enfim, é a vida segundo as bem-aventuranças que
caracteriza a pessoa vigilante e prudente.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues, Mossoró-RN,
11/11/2017.