A liturgia deste vigésimo
oitavo domingo do tempo comum nos oferece Mateus 22,1-14 para o Evangelho,
texto composto pela última da série de três parábolas consecutivas de Jesus, em
seu primeiro conflito direto com as autoridades religiosas no templo de
Jerusalém. Trata-se de mais uma parábola de apresentação do Reino dos céus, em
resposta ao questionamento dos sumos sacerdotes e anciãos do povo a respeito da
autoridade com que Jesus ensinava (cf. Mt 21,23-27).
À medida que Jesus respondia,
sempre através de parábolas, a sua rejeição aumentava naqueles que, achando-se
os legítimos representantes de Deus, não admitiam que alguém falasse do Reino
com tanto conhecimento e liberdade. Além de apresentar o Reino dos céus com
características tão diferentes do que a religião oficial pregava, Jesus decretava
a falência e inutilidade daquela religião e, consequentemente, dos seus chefes.
Por isso, de adversários, seus interlocutores passarão a algozes, uma vez que
não aceitavam ser contrariados.
A parábola de hoje se destaca
sobre as outras duas da série, lidas na liturgia dos dois últimos domingos: a
de “um pai que tinha dois filhos e uma vinha” (cf. Mt 21,28-32) e a dos “vinhateiros
homicidas” (cf. Mt 21,33-43). Na de hoje, o Reino dos céus é comparado a uma
festa de casamento que um rei preparou para o seu filho. Enquanto a imagem da
vinha, predominante nas duas primeiras, possuía um significado mais restrito
para o mundo semita oriental, a imagem de um
banquete possui um significado bem mais universalista, podendo ser
compreendida com mais facilidade também em outras culturas.
O primeiro versículo nos insere
diretamente no contexto, e nos faz perceber que essa parábola é a continuidade
de um discurso já iniciado, embora a tradução do texto litúrgico não expresse
bem isso: “Jesus voltou a falar em parábolas” (v. 1). Essa expressão dá
a entender que houve uma interrupção no discurso. Conforme a língua original do
texto, o grego, a tradução mais adequada seria “Jesus continuou falando em
parábolas”. O auditório é o mesmo das duas parábolas anteriores: os sumos
sacerdotes e anciãos do povo, ou seja, a elite religiosa de Jerusalém.
É surpreendente a imagem com a
qual o Reino é comparado: “O Reino dos Céus é como a história do rei que
preparou a festa de casamento do seu filho” (v. 2). Aqui, Jesus dispensa a
linguagem litúrgico-religiosa. Não faz menção a sacrifício, nem a culto, nem a
peregrinações, nem a um templo, mas a uma festa. E a festa por excelência na
antiguidade, era a festa de casamento, sobretudo no mundo oriental. Era uma
festa que durava em média sete dias, podendo ser ainda prolongada, a depender
das condições dos noivos. Dessa imagem usada por Jesus, evocamos, de imediato, duas
das mais importantes características do Reino: a alegria, o amor e a
perenidade.
A festa em si, é sinônimo de
alegria, ainda mais preparada por um rei. É certa a abundância de comida e
bebida, música e muita alegria entre os convivas. O fato de ser uma festa de
casamento, lembra o amor, elemento indispensável para a vida da comunidade. Sendo
uma festa com duração de sete dias, lembra a perenidade: um tempo completo,
perfeito e eterno. Por isso, a festa de casamento (em grego: ga,moj – gamos) era a mais bela de todas
as festas, inclusive sonhada por tanta gente. As pessoas, na antiguidade,
aguardavam com ansiedade um convite para uma festa assim. Era o momento de
exagerar, inclusive na bebida (cf. Jo 2,1-12), como atesta a própria Bíblia. É surpreendente
que seja com esse tipo de festa que Jesus comparou o Reino, ao invés de uma
reunião litúrgica ou vigília.
Além de um ensinamento para o presente, com essa parábola Jesus
dá uma verdadeira aula sobre a história da salvação aos seus interlocutores. Diz
ele que o rei “mandou os seus empregados para chamar os convidados para a
festa, mas estes não quiseram vir” (v. 3). Aqui, Jesus recorda aos seus
interlocutores que foi Israel o destinatário predileto de Deus, a quem foram
enviados os profetas, os quais não foram ouvidos. A recusa ao convite de um rei
equivale a uma rebelião. Nesse caso, Jesus enfatiza a rebelião de Israel aos
apelos de seu Deus. Um povo fechado, de coração duro, que não escuta o seu
Senhor. Como Deus não desiste do seu povo, nem da humanidade, eis que o convite
continuou sendo feito até que, aborrecidos pela insistência do rei, os
primeiros convidados passaram da indiferença à violência, chegando a matar os
emissários do rei (vv. 4-5). Com a insistência do convite e a recusa dos
destinatários, Jesus apresenta uma síntese de toda a história da salvação,
denunciando Israel e advertindo os seus seguidores de outrora e de sempre.
O versículo sétimo é, certamente, um acréscimo da comunidade
de Mateus, uma vez que o mesmo não consta na versão desta parábola no Evangelho
de Lucas (cf. Lc 14,15-24). Na época da redação do Evangelho de Mateus, Jerusalém
já tinha sido destruída pelas tropas romanas e, no auge do conflito da
comunidade de Mateus com a sinagoga, a destruição da cidade e do templo servia
como resposta e explicação para a rejeição dos judeus à mensagem cristã. A própria
lógica temporal interna da parábola não comporta tal atitude da parte do rei: se
todo o reino estava concentrado e voltado para a festa, e a comida já estava à
mesa, como parar tudo de repente para guerrear e depois recomeçar a festa?
A parábola continua seu curso normal no versículo oitavo: “Em
seguida, o rei disse aos empregados: a festa de casamento está pronta, mas os
convidados não foram dignos dela”. A conclusão do rei é uma acusação ao
fechamento de Israel à conversão. De fato, é notório que, ao longo da história,
a mensagem profética foi rechaçada em Israel, sobretudo pelas autoridades
religiosas. A falta de dignidade dos convidados fora comprovada pela indiferença
e violência com que trataram os enviados do rei. Porém, a rejeição de Israel não
inibe os propósitos salvíficos de Deus para com a humanidade inteira.
A nova determinação do rei corresponde à insistência de Deus e
à continuidade de sua oferta de vida para toda a humanidade: “Portanto, ide
até às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que
encontrardes” (v. 9). Podemos considerar esse o versículo central de toda a
parábola. Aqui está o embrião de uma Igreja-comunidade em saída! A expressão “encruzilhadas”
significa o encontro com as periferias. A expressão usada na língua
original do texto (diexo,doj – diecsódos) significa a saída da
cidade. Era lá onde ficavam todas as pessoas de atividades “vergonhosas”, ou seja, o que era considerado escória da sociedade, como
prostitutas, mendigos, assaltantes e doentes considerados impuros. Esse
versículo é um convite claro para que os seguidores e seguidoras de Jesus se
voltem para as margens. Aqui, de modo definitivo, é apresentada a nova dinâmica
do Reino, destacando seu aspecto inclusivo: todos os que forem encontrados
devem ser convidados! Acabou o tempo das distinções, dos rótulos, das
separações.
Finalmente, o convite tornou-se efetivo: quando foi endereçado
a todos, a maus e bons, sem distinção. O resultado foi a sala cheia de
convidados (v. 10). Enquanto os enviados dirigiam-se a uma elite privilegiada e
indiferente, a sala permaneceu vazia. Somente quando saíram para as margens o
convite encontrou adesão. Aqui está um alerta da comunidade de Mateus para as
comunidades de todos os tempos. O convite, ou seja, o anúncio, deve ser feito a
todos e todas, sem distinção alguma. Porém, aceitar o convite-anúncio requer
compromissos da parte do convidado.
Ninguém é excluído do Reino, mas alguém pode se auto excluir,
ao não fazer comunhão com os demais. É esse o sentido do convidado que não
portou o “traje de festa” (v. 11). Caso se tratasse de uma veste real,
nenhum dos convidados estaria apto, afinal, todos foram pegos de surpresa com o
convite feito de última hora. A percepção do rei, notada pelo evangelista, é
uma investida para a sua comunidade: não basta estar na sala, participar de
reuniões e atos litúrgicos, receber sacramentos, sem disposição para a vida
comunitária. O traje é, aqui, o sinal de unidade entre os convivas do banquete,
e portanto, os membros da comunidade cristã: a prática das bem-aventuranças, o conteúdo
programático do discipulado no Evangelho de Mateus.
A reação do rei à falta do traje em um dos convidados não
significa castigo, mas auto exclusão do próprio convidado (v. 12). Não aceitar
participar do banquete com alegria, amor e justiça é privar-se da vida em
plenitude. Ter os pés e as mãos amarrados, chorar e ranger os dentes (v. 13), é
a imagem do desespero último do ser humano. Só é desesperado quem não aceita
participar do banquete da vida.
O evangelista ensina, com tudo isso, que o simples fato de
alguém participar de uma comunidade ou igreja não é sinal de nenhuma garantia
de vida. Só vive plenamente quem aceita fazer comunhão e pratica o programa de
vida de Jesus. A parábola é concluída com uma nota proverbial explicativa: “Porque
muitos são os chamados, e poucos são os escolhidos” (v. 14). Mesmo dentro
da comunidade, há risco de alguém ficar privado de vida plena. O evangelista enfatiza
exatamente isso: não basta ter sido convidado ou convidada, afinal, todos
foram. O importante é, ao sentir o chamado, conduzir a vida segundo o programa
daquele que chama.
Que ninguém sinta-se seguro por estar na Igreja. Todos são
chamados, mas só participa plenamente da festa, ou seja, do Reino, quem porta o
traje das bem-aventuranças, sinal único e distintivo dos cristãos e cristãs. O
certo mesmo é que Deus quer a sala cheia; para as igrejas e comunidades
eclesiais precisam ir às encruzilhadas.
Mossoró-RN, 14/10/2017,
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues